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Carta da 3ª Romaria das Águas e da Terra da Bacia do Rio Doce

· Opinião Popular
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3ª Romaria das Águas e da Terra da Bacia do Rio Doce

“Felizes os que têm fome e sede justiça, porque serão saciados” (cf. Mt 5, 6)

Movidos pela fé e pelo compromisso com a luta pela justiça, pelos direitos humanos e socioambientais, realizamos, em Ponte Nova, no dia 3 de junho de 2018, a 3ª Romaria das Águas e da Terra da Bacia do Rio Doce.

Motivados pelo tema “Bacia do Rio Doce, nossa Casa Comum” e pelo lema “Cuidando da terra e plantando água, com justiça e soberania popular”, acolhidos, fraternalmente, por Ponte Nova, somamos milhares de romeiras e romeiros vindos das dioceses mineiras de Mariana, Caratinga, Itabira/Coronel Fabriciano, Governador Valadares e Guanhães e das dioceses capixabas de Vitória, Colatina e São Mateus, trazendo nossas lutas e nossas esperanças.
Solidários com os atingidos/as ao longo de toda a Bacia do Rio Doce, pelo rompimento da barragem de Fundão, no município de Mariana, denunciamos:
1. A excessiva dependência econômica de muitos municípios da Bacia do Rio Doce com relação ao setor minerário, cada vez mais organizado para abastecer o mercado global, e a ganância das empresas mineradoras. Elas, com políticas econômicas predatórias, movem-se pela busca desenfreada do lucro, levam à escassez os bens da natureza e promovem um verdadeiro caos social, com total descaso com a vida e a dignidade do ser humano e desconsideram os interesses das comunidades atingidas pela mineração e pelas barragens.
2. A negligência de governos e de órgãos públicos em sua tarefa de fiscalizar os empreendimentos minerários, agravada pela vulnerabilidade da atual legislação socioambiental, em garantir, verdadeiramente, crescimento econômico e desenvolvimento social com sustentabilidade ambiental.
3. O desrespeito aos direitos dos atingidos/as, vítimas dos crimes socioambientais das empresas Samarco, Vale, BHP Billinton e Anglo American e os graves danos causados ao meio ambiente em toda a extensão da Bacia do Rio Doce.
4. A maneira estrategista das empresas em sonegar informações aos atingidos/as para, através da falta de informações, desestimular a sua participação ativa e enfraquecer a sua organização.
5. A morosidade das ações de reparação e recuperação social e ambiental da Bacia do Rio Doce, de total responsabilidade das empresas causadoras do rompimento da Barragem de rejeitos do Fundão, em Bento Rodrigues, no município de Mariana.
6. A atuação da Fundação Renova, constituída, sobretudo, por representantes da Vale, BHP Billinton e Samarco. Ela vem dificultando as negociações em favor dos atingidos, não cumprindo os prazos estabelecidos, como em relação ao reassentamento das famílias dos atingidos/as e transformando a prestação de contas de suas atividades em publicidade enganosa.
Reafirmamos nosso compromisso de:
1. Permanecer ao lado dos atingidos/as e exigir o pleno ressarcimento das perdas que sofreram, bem como a responsabilização dos culpados e o devido reparo aos danos causados ao meio ambiente.
2. Fortalecer a organização dos atingidos/as e as expressões de luta socioambiental na Bacia do Rio Doce.
3. Cuidar da terra e plantar água, com justiça e soberania popular, apoiando e participando, localmente, de iniciativas em defesa da ecologia integral, promovidas pelas comunidades eclesiais, pelos movimentos populares e sociais, por comitês e associações em defesa do meio ambiente, como das Comissões de Meio Ambiente da Província Eclesiástica de Mariana e de cada uma das dioceses que a compõem, bem como do Fórum Permanente da Bacia do Rio Doce.
4. Lutar por justiça socioambiental, como bem nos alerta o Papa Francisco: “E quantas pessoas sofrem por causa das injustiças, quantos ficam assistindo, impotentes, a como outros se revezam para repartir o bolo da vida. Alguns desistem de lutar pela verdadeira justiça e optam por subir para o carro do vencedor. Isso não tem nada a ver com a fome e sede de justiça que Jesus louva” (Gaudete et Exultate, 78).
5. Exigir que o marco regulatório para a mineração promova a garantia dos direitos dos atingidos e propicie o controle das atividades de mineração em vista da sustentabilidade ambiental e social, onde o primado seja conferido à vida, em todas as suas expressões e dimensões, e não ao lucro ou ao capital financeiro especulativo.
6. Somar forças na luta pela aprovação da PEABE – Política Estadual dos Atingidos por Barragens.
7. Conscientizar e mobilizar nossas populações para eleger, para o Executivo e o Legislativo, lideranças comprometidas com políticas públicas e decisões coletivas a favor da vida do povo e em defesa do meio ambiente.
Renovamos, nessa 3ª Romaria, em face da missão que Deus nos confia de sermos cuidadores dos bens da natureza, nosso empenho pela regeneração da Bacia do Rio Doce, diante de tudo o que ela significa para as populações de Minas Gerais e do Espírito Santo, com um clamor esperançoso e profético em defesa dos direitos na promoção da vida digna para todos e por uma relação radicalmente nova com a natureza, onde a vida e o bem viver estejam acima de interesses comerciais, e haja justiça, solidariedade e paz.
A Nossa Senhora da Assunção e São José, padroeiros da Arquidiocese de Mariana que acolhe esta 3ª Romaria, confiamos proteção às iniciativas em vista de um futuro promissor para a Bacia do Rio Doce, nossa Casa Comum, para que todos, a começar dos atingidos, tenham vida e vida em abundância (cf. Jo 10,10).
Ponte Nova, 3 de junho de 2018.